Saber Desafia A Cultura do “Está Tudo Bem”

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Nestes tempos cada vez mais competitivos e instáveis, um dos grandes desafios de qualquer empresa é gerar aprendizado interno. Ou seja, fazer com que os colaboradores aprendam, cotidianamente, coisas novas para gerar mais valor para seus clientes e, em consequência, para a companhia. Com isso, a organização tenderá a ser mais inovadora, a ter processos e produtos com maior qualidade, a ser mais produtiva e, portanto, a ter maior competitividade no mercado.

A grande questão, porém, é “como” estimular isso numa empresa. O que fazer para que os colaboradores adquiram, de forma sistêmica, cada vez mais conhecimentos que possam, efetivamente, ser usados em prol da companhia.

Uma pesquisa recente da universidade de Yale, nos EUA, dá uma pista sobre como isso pode acontecer: tirando os colaboradores da “zona de conforto”.

Segundo a pesquisa, quando nos deparamos com uma situação incerta, fora do normal, em que não sabemos ao certo o que fazer, isso ativa naturalmente a região de aprendizado do nosso cérebro, estimulando a mente humana a aprender. Ou seja, nosso organismo entende que é o momento adequado e necessário para o aprendizado e prepara nossa percepção para isso.

A situação contrária também ocorre: quando achamos que está tudo bem, que nada está errado, que não há estresse em nosso ambiente, o cérebro, então, “desliga” a região de aprendizado, pois percebe que não é necessário aprender algo novo naquele momento.

A conclusão dessa pesquisa se alinha à mentalidade da gestão lean: a de estimular as pessoas a, cotidianamente, se envolver e resolver problemas.

É que a gestão lean parte do pressuposto de que todos os processos que nos rodeiam, independentemente do tipo de trabalho que fazemos, são naturalmente cheios de desperdícios, manifestados em retrabalhos, em perdas de tempo, de recursos etc. Por isso, esses processos precisam ser sempre revistos e melhorados a cada dia.

E como fazer isso na prática? Estimulando os colaboradores a, cotidianamente, ter uma visão crítica sobre o próprio trabalho. Esse modelo de gestão acredita em algo que deveria ser óbvio: que é a própria pessoa que faz a atividade que tem a melhor percepção sobre o que está sendo feito. Assim, se for estimulada da maneira correta, saberá exatamente onde estão as falhas e qual é o caminho para eliminá-las.

Curiosamente, ao melhorar cotidianamente os processos, criamos mais estabilidade. As causas de variação são eliminadas, e o processo torna-se bastante previsível, gerando os resultados planejados, o que é ótimo para o atendimento das expectativas dos clientes e para a garantia da qualidade e da produtividade. Isso poderia gerar acomodação e fazer com que os funcionários parassem de aprender. Mas no sistema lean, a melhoria não tem fim. Uma vez atingido um patamar de desempenho, a direção deve estabelecer novas metas, que façam com que a empresa seja cada vez mais competitiva.

Cabe à gestão, então, mudar a cultura do “está tudo bem” e propiciar aos colaboradores as condições para que queiram enxergar os problemas e buscar entregar cada vez mais valor aos clientes. Eles vão se deparar cotidianamente com situações de incerteza, e seus cérebros serão estimulados a aprender, a pensar em novas soluções, a inovar, a ser melhor a cada dia.

É preciso entender, porém, que, na gestão lean, não se faz isso desrespeitando os colaboradores. Muito pelo contrário, o modelo de gestão deve valorizar quem revela e resolve problemas e traz inovações. Essa é a essência da mentalidade lean. Nela, produzir é, essencialmente, sinônimo de encontrar e resolver problemas, sempre respeitando as pessoas.

Na contramão disso, empresas de gestão tradicional e ineficiente cultivam a velha cultura do “está tudo bem”, do “já estamos fazendo um bom trabalho”, do “já somos os melhores no que fazemos…”.

É uma percepção que vai contra o aprendizado. Com ela, as pessoas tendem a se acomodar. A fazer as coisas sempre da mesma maneira, pois estão confortáveis no que fazem. Não se sentem desafiadas, no melhor sentido do termo. E assim, terão muito menos oportunidades para aprender coisas novas.

Portanto, se você quer que as pessoas da sua empresa aprendam, tire-as da zona de conforto. Mas faça isso da forma certa.

*Flávio Picchi é presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp